"Somos protagonistas e coadjuvantes ao longo da vida."
Carta para Rafaela
21/09/2025

Querida Rafa,
Tenho buscado a vida como nunca antes. Saio de casa sempre que posso e compartilho meus instantes — de mim para o futuro eu — com pessoas de alma boa e coração gentil. Reencontrei amigos antigos, fiz novas amizades, vivi amores... Ah, Rafa, a vida tem sido generosa comigo! Como eu queria que ela roubasse metade dessa felicidade e a transformasse em saúde para você, apenas para que pudéssemos sentar, tomar um café e rir de tudo isso.
Tenho pensado muito: como pode essa mesma vida ser tão cruel com quem realmente merece o melhor dela? Você não merecia estar passando por isso. Não merecia perder sua juventude para uma doença que tantos outros poderia a acometer.
Confesso que adiei minha ida ao hospital. No fundo, seria para preservar minhas últimas lembranças suas em forma de risos, festas e abraços — muitos, quando ainda compartilhávamos a mesma profissão. Não queria que fossem de dor. Imaturidade minha, eu sei. Me perdoe.
Minha tia sempre disse que eu era insensível. Eu discordava, mas refletia. Hoje, percebo que não pois já na quinta linha desse texto as lágrimas rolaram em meu rosto. As lágrimas que rolaram já na quinta linha deste texto me provaram o contrário. Não consigo aceitar: né injusto o que está acontecendo com você, Rafa. Muito injusto.
Lembro-me de quando você me acolheu — você e sua família — nos dias em que eu não tinha como voltar para casa pós expediente. Você se responsabilizou pelo meu retorno, dia após dia, como se fosse meu anjo da guarda. Era como sair da escola ao lado da melhor amiga: voltava cansado, mas sempre sorrindo, sempre com tempo para falar — eu demais, você a ouvir. Com você e os amigos do trabalho, eu tinha uma família.
Seu jeito sério e responsável sempre se destacou. Você não passava a mão em minha cabeça diante dos erros, mas estava pronta para me abraçar, física e virtualmente, nos meus momentos de maior delírio. Você foi meu porto seguro. Arrependo-me das vezes em que recusei convites para ir à sua casa. Poderia ter sido um amigo melhor, assim teríamos ainda mais memórias juntos.
O que me conforta é saber que você deixou marcas profundas no coração de todos que tiveram a sorte de te conhecer e, mesmo doente, continuou sendo uma amiga presente. O que me entristece é saber que guardou tanto da sua dor só para si. Sei que cada um enfrenta a batalha à sua maneira, mas você não precisava carregar esse fardo sozinha.
Oro por você em silêncio, Rafa. Em minhas memórias, caminhadas e textos, peço a Deus por mais um milagre. Por mais uma faísca de vida, apenas para que você aproveite um pouco do que não pôde. Mas, se os planos Dele forem outros, que ao menos nos permita uma despedida lúcida — e não inconsciente, como está sendo. Você é um ser de luz*: consciente de si, dos seus limites e da sua força, sempre soube se colocar no mundo.
Mesmo fragilizada no hospital, você ainda irradia. Ensina-nos duas lições: que o amor divino conforta e que a presença é mais valiosa do que qualquer mensagem de saudade no WhatsApp. Você ainda nos mostra que a vida pode despedaçar a qualquer instante... Talvez essa seja a mensagem que você veio nos trazer: viver sem medo.
Brilhe até o último momento, Rafa. Eu estarei daqui, lutando por você, pedindo por mais tempo, e vivendo por nós o que a doença tentou te roubar. Seu cérebro pode estar tomado pelo câmcer, mas confio que o divino ainda há de cuidar para que não sofras tanto.
Te amo. Espero ter deixado em você ao menos resquícios daquilo que defino como mais importante nesse mundo: tempo de qualidade.
Do seu amigo, sensível, intenso e louco,
Wesley Nascimento
*Defino "ser de luz" como aquele naturalmente expansivo, que ilumina a sociedade através de fótons, atravessando galáxias para contar sua história.